ADAURY VELOSO –
Em 2017, o Timbu caía para a Série C e buscava maneiras de retornar ao antigo lar, os Aflitos; dois anos depois, volta à Série B após resgate do orgulho alvirrubro.
Rebaixado como lanterna da B, o clube estava afundado em dívidas trabalhistas, não conseguia se livrar da imagem de mau pagador, era rachado politicamente e estava distante de sua própria torcida – uma vez que dificilmente conseguia bons públicos na Arena de Pernambuco. Era visto como um clube sem casa desde que abandonara os Aflitos para firmar uma conturbada parceria com o consórcio que geria a Arena.
Menos de dois anos depois, no entanto, o cenário é diferente. É claro que ainda há muitos problemas financeiros. Nos últimos dias, por exemplo, o clube foi punido pela CBF por descumprir o mecanismo de solidariedade.
Mas o Timbu hoje paga em dia, aumentou a credibilidade com atletas e voltou para os Aflitos – palco de uma cena de êxtase coletivo após o acesso à Série B conquistado no último domingo, diante do Paysandu. Centenas de torcedores invadiram o campo para celebrar a volta à segunda divisão.
A mudança de realidade do clube, que é apenas o início de um longo processo de recuperação, passa por um trabalho de gestão – base para o sucesso esportivo deste biênio: fim do jejum estadual de 13 anos sem títulos, melhor campanha da história do clube no novo formato da Copa do Nordeste e a volta à Série B.
O processo de resgate coincide com o período em que o presidente Edno Melo e o vice-presidente Diógenes Braga assumiram o clube. Para eles, no entanto, mais do que título pernambucano e acesso à Série B, o importante era recuperar a autoestima do alvirrubro.
– Acredito que a maior conquista foi a volta do orgulho do alvirrubro. A torcida do Náutico voltou a vestir o manto com amor – diz Edno.
A dupla conversou com exclusividade com a Globo sobre o processo de resgate do Náutico. Confira, abaixo, os principais pontos:
Austeridade
Diógenes (E) e Edno (D) falam sobre gestão do Náutico —
Segundo Edno e Diógenes, “austeridade” é a base de tudo no Náutico. Gerindo um clube que teve orçamento de cerca de R$ 15 milhões nos dois últimos anos, a diretoria entendeu que precisava cortar custos desnecessários e não gastar mais do que arrecadava – de modo a não aumentar o já significativo passivo que o Timbu carrega.
“Desde quando a gente assumiu, não há salários atrasados de ninguém. Nem do administrativo, futebol, comissão técnica. A gente adotou a política da austeridade e tem dado certo, mas digo a você que é muito difícil”, diz Edno.
Uma das primeiras missões foi cortar custos e diminuir a estrutura, com a qual o Náutico não conseguia arcar.
– O Náutico hoje está mais enxuto. Tivemos que diminuir o tamanho para honrar os compromissos. O Náutico tinha 13 porteiros para uma portaria. Não tem cabimento. Eles viram que havia necessidade de demitir os nove que foram demitidos. Faltava uma pessoa que olhasse o clube e fizesse isso. O clube tinha um funcionário que cuidava do gramado dos Aflitos, um estádio que não recebia jogos há quatro anos, e ganhava quase R$10 mil – afirmou o presidente.
Segundo o mandatário, mesmo com menos pessoas, o clube funciona bem no dia a dia.
– O Náutico hoje é um clube alegre. Tem uma energia diferente. Você chega no Náutico, o porteiro te recebe bem, a pessoa dos serviços gerais trabalha satisfeito. Quando você passa para os funcionários essa proposta, eles aceitam, veem que trabalhamos com menos pessoas, mas (recebendo) em dia.
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Equipe do Náutico na partida do acesso contra o Paysandu —
Pés no chão no futebol
Diógenes revela como o Náutico vem conseguindo manter as contas sob rédea curta também no futebol, departamento mais importante do clube – e também o que sofre mais pressão da torcida para fazer contratações de peso.
“É o planejamento, tão falado e quase nunca feito. É colocar no papel o que você vai dispor e saber o limite e só ir até ele. Essa é a primeira parte.”
O vice-presidente de futebol também afirma que a responsabilidade fiscal – gastar menos do que arrecada – é algo que progressivamente ajuda a resolver um dos problemas que o Náutico tinha: a falta de credibilidade.
– Talvez a frase que mais tenha dito em negociação com atletas tenham sido essas: “Você merece mais do que o que estou oferecendo, mas só posso pagar isso. Agora, se vier, você vai receber”. Aí, devagarzinho, um jogador passa para outro. Jogadores que não queriam vir passam a querer vir. Quando eles vêem que os colegas estão no Náutico e recebendo em dia, passam a querer vir e aceitar o salário que o Náutico paga.
Aumento de sócios
Torcida do Náutico abraçou chegada da delegação ao estádio —
Ser responsável financeiramente é um dos fundamentos da atual gestão do Náutico. Mas ela, por si só, não seria capaz de manter o Timbu com pagamentos em dia. Sem receber direitos de transmissão e com receitas menores de patrocinadores, o clube precisava faturar mais com fontes que – até então – representavam muito pouco para o orçamento.
Um dos casos de sucesso do Náutico é o quadro de sócios. Antes do lançamento da campanha Nação Timbu, em novembro de 2018, o clube tinha menos de 2 mil sócios em dia. Hoje, menos de um ano depois, saltou para cerca de 16 mil.
O presidente acredita que o sucesso não tem relação apenas com o bom desempenho em campo do time.
“A empresa que gerencia nosso plano de sócio-torcedor está fazendo um case para mostrar para o Brasil como foi feito isso. É claro que esse boom veio acompanhado de uma série de benefícios. Lembro muito bem quando eu era só o frequentador de arquibancadas, as pessoas diziam: ‘Vou ser sócio para quê? Qual é o benefício?’ E hoje tem vantagem.”
As principais vantagens, diz Edno, são os descontos na compra dos ingressos e a exclusividade para adquirir os bilhetes.
– Neste jogo, a gente deu três dias exclusivos para os sócios. Tem sócio que entra de graça, que tem 70, 60 ou 50% de desconto. Então, realmente tem benefício.
Aposta na base
Thiago é maior promessa do Náutico —
Outra fonte de receita importante é a negociação de jogadores. Nesse sentido, o uso bem feito da base serve a dois propósitos: ajuda a fortalecer o time no presente com atletas de baixo custo e lucrar com vendas no futuro.
Também por conta da necessidade, o Náutico apostou forte na base a partir de 2018. Descobriu jogadores que ajudaram dentro de campo e fez negociações que, se não foram multimilionárias, ao menos ajudaram as pagar as contas mais imediatas.
– Isso foi um dos pilares da gestão. Hoje, todo mundo elogia o time do Flamengo, que é uma verdadeira seleção. Mas ele partiram da divisão de base, com a revelação de Vinícius Júnior, Lucas Paquetá e outros jogadores. Os clubes milionários estão buscando isso, revelar atletas não só para ter grandes jogadores no time, mas para negociar e fazer caixa – afirmou Diógenes.
No ano passado, três jogadores apareceram com destaque: o goleiro Bruno, o volante Luiz Henrique e o atacante Robinho. Todos foram negociados. Bruno foi emprestado ao Gil Vicente-POR, Robinho cedido ao Bragantino e Luiz vendido ao Moreirense-POR (por pouco mais de R$ 1 milhão). O Timbu manteve percentuais nos direitos econômicos de todos eles.
Luiz Henrique foi vendido para o Moreirense —
– Não teríamos conseguido chegar até aqui com as finanças em dia se não tivéssemos as negociações de atletas. Isso foi planejado. Na Série C, ter caixa é quase um milagre. Não tinha nada mais óbvio do que a necessidade de revelar, mas como você vai vender se não colocar para jogar?
Neste ano, além das voltas dos pratas da casa Diego Silva e Jefferson, o Náutico revelou Hereda e Thiago – este último tido como a maior promessa do clube em muito tempo. O Timbu espera fazer uma de suas maiores vendas com o atacante, artilheiro do time na Série C e convocado para período de testes na Seleção Brasileira Sub-18.
Volta aos Aflitos
Aflitos lotou em jogo do acesso —
O grande símbolo material do resgate alvirrubro é o estádio dos Aflitos. O Náutico deixara de jogar em sua casa no ano de 2013 – seduzido pela promessa de uma moderna Arena de Pernambuco. A parceria entre o consórcio que geria o estádio e o clube nunca deu certo, e chegou ao fim de forma oficial em junho de 2016.
O problema é que o Náutico não tinha para onde voltar. Abandonado, os Aflitos precisavam de uma reforma para voltar a sediar jogos. O clube não tinha como bancar tamanha obra. Por isso, continuou jogando até o fim de 2018 na Arena de Pernambuco – estádio que passou a ser gerido pelo governo de Pernambuco.
A tão desejada volta para casa só se concretizou em dezembro do ano passado, no amistoso contra o Newell’s Old Boys-ARG, precedido por um jogo entre antigos ídolos do Náutico.
Para a diretoria, ter os Aflitos de volta foi fundamental para o acesso. No último jogo, em casa, o Timbu saiu de um buraco de 2 a 0 contra o Paysandu para empatar nos minutos finais e ganhar nos pênaltis.
“Foi uma das nossas metas voltar para os Aflitos. Aqui é nossa casa, onde a torcida tem identidade, aqui é o caldeirão. Quando vejo apelos de levar jogos para a Arena, entendo que a pessoa não conhece os Aflitos, a energia que tem isso aqui. Não viveu um jogo como o de domingo, em que a torcida nos levou ao acesso”, diz Edno Melo.
Para Diógenes, o duelo contra o Paysandu serviu para minimizar decepções do passado em casa.
– O que tinha de fantasma foi exorcizado no domingo. Gol no último minuto, jogo dramático, vitória nos pênaltis. Se não fosse nos Aflitos, a gente não teria subido.
Aflitos foi reformado pela nova gestão —
E agora?
Edno e Diógenes não revelaram ainda se vão concorrer às eleições do final do ano. Mas, por conta do sucesso esportivo, a tendência é forte de que continuem à frente do clube. De qualquer forma, eles já pensam em 2020, quando o Náutico estará na Série B.
A receita é seguir apostando no que vem dando certo até agora: pés no chão, pagamentos em dia e eficiência no lugar da badalação.
– Para mim, futebol é continuidade. Vejo esse elenco como elenco base para a Série B. A gente não pode perder a austeridade. É consolidar o Náutico definitivamente como um clube sério no mercado, e isso significa dizer que não temos expectativa de fazer um grande time no papel. Entendo que é ter a base, consolidar e melhorar para a gente estar muito forte no ano que vem – diz Diógenes.